Zero Amigos
O que sei sobre a solidão
São 19h58 de um sábado; tenho 0 mensagens por ler, 0 convites para sair, 0 pessoas com quem falar sobre o que quer que seja (tirando a minha mãe e os gatos, que já não contam), 0 planos para o resto do fim de semana.
Parece inacreditável admitir que não tenho um único amigo, seja no feminino ou no masculino, mas já cheguei a essa conclusão há algum tempo.
Antes de chegar aí, havia duas raparigas — uma vizinha e uma ex-colega de faculdade — com quem mantinha conversas mortas e ia, de vez em quando, ao café. Mas, no ano passado, também essas relações de amizade remanescentes se perderam.
Muitas vezes, na calada da noite, mesmo antes de adormecer, perguntei-me o que havia de tão repelente em mim.
Já na escola primária, recordo-me de passar os intervalos sozinha, num banco, enquanto comia uma maçã que a minha mãe me dava para o lanche.
Nunca fui propriamente tímida, apenas introvertida. A minha língua jamais travou na altura de dar resposta a uma pergunta — fosse qual fosse. Contudo, a minha sinceridade sempre foi desarmante. O tipo de sinceridade, misturada com uma ingenuidade crente e justiceira, que não combina com as intrincadas dinâmicas das relações humanas.
O meu maior defeito é acreditar que os outros são como eu: sem disfarces, sem barreiras, sem vontade de maldade.
Só hoje estou a aprender algo que a minha mãe diz muitas vezes: o calado vence sempre. Existem, sim, ocasiões em que mais vale estar calado. E essas ocasiões são muitas — especialmente quando alguém, tão inseguro ou mais do que eu, me pede uma opinião.
Ainda assim, o estigma da diferença marca-me como um ferrete de gado, brandido na minha pele, a distinguir-me dos da minha raça, a etiquetar-me como demasiado diferente, demasiado gorda, demasiado contraditória, demasiado provocante na minha individualidade tão alienígena e vociferante.
E serei a única?
De acordo com um estudo recente, 53% dos adultos dizem ter entre 1 a 4 amigos próximos, 38% dizem ter mais de 5 amigos, e 8% dizem não ter amigos próximos.
Claramente, faço parte da minoria. Ou a explicação pode residir, simplesmente, num processo de envelhecimento intelectual precoce.
Outro estudo indica que, a partir dos 25 anos, o círculo de amizades começa uma escalada descendente, já que vamos contactando progressivamente com menos pessoas, à medida que a vida vai estagnando.
Portanto, é normal... certo?
É melhor fingir que sim e ir ignorando as consequências alarmantes divulgadas noutros estudos, que apontam para efeitos como:
Problemas de saúde mental;
Baixa autoestima;
Elevado stress;
Risco de doenças cardiovasculares;
Maior propensão para obesidade e diabetes:
Menor esperança média de vida.
Soa preocupante? Um pouco. Lamento informar, mas já passei a fase de alarme. Agora estou mesmo na parte de aceitação.
O que sei sobre solidão
Sinto-me um pouco como aquela pessoa que se está a afogar e a quem já se esgotaram todas as forças para lutar pela sobrevivência — deixando-se afundar no fundo do mar, os pulmões fraquejando, o oxigénio esvaindo-se, o corpo soluçando enquanto se vai desligando, gradualmente.
Hoje apercebi-me de que estou mais sozinha do que nunca. Quando as distrações se apagam, como velas que tremem com a passagem do vento, dando lugar à escuridão completa, eu sinto este vazio dentro de mim. Como tentáculos esfumaçados que apertam o meu coração, sinto dor e não sinto nada. O que há para sentir? Este sentimento prolonga-se, mas não deixa nada a que me possa agarrar.
Talvez pensem, neste instante: “Tenta mais uma vez. Não desistas! Ainda te podes salvar de afogar…”
Mas eu já estou tão, tão, tão cansada. Toda a minha vida foi uma luta constante contra mim mesma. Desde a minha primeira conversa com um psicólogo, fui acusada de haver algo de errado comigo. Tentei mudar: comecei pelo telhado, mas as fundações já estavam assentes e, cada vez que partia uma parede, dava por mim ainda mais destroçada.
Agora sou uma casa sem telhado e com algumas paredes caídas; tenho frio, falta-me calor humano. Falta-me aquela ideia de um amigo — e essa falta faz-me chorar, como agora, enquanto escrevo isto. Mas mais doloroso seria se destruísse o resto da casa, se me destruísse por completo, até já não me reconhecer, até me confundir sobre o que estava errado no início e o que continuava errado no fim.
Um dia, tive a sorte de encontrar um psiquiatra que compreendeu bastante bem a minha dor. Ele disse-me que era como se a minha pele fosse tão fina e frágil como papel de arroz: bastava um arranhão e este invólucro vulnerável rasgava-se com facilidade, deixando entrever toda a carne viva e rosa. Naturalmente, a dor da minha carne exposta far-me-ia gritar, e quanto mais gritava, mais os outros se afastavam de mim, deixando-me entregue a mim mesma.
Eu e a minha dor. Uma só voz para me proteger dos arranhões do exterior. Vejo-me sozinha nesta viagem sem bilhete de volta.




Antes de mais, Adriana, sente o meu abraço (a não ser que não gostes de abraços, aí sente só o meu fist bump, ou high five, ou o carinho com que estiveres confortável).
Quanto mais velhos somos, mais difícil se torna fazer amizades. Até que há um ponto, depois dos 30/40, em que estamos tão seguros com a nossa própria companhia, que começamos a fazer amigos a torto e a direito. Pelo menos, é o que eu vejo a acontecer à minha volta, e é a esperança que eu tenho.
Passos a explicar: eu só tive amigos - amigos a sério, de carne e osso - a partir do secundário. E ainda são os meus amigos especiais, que eu não vejo há 3 anos, mas que quando falamos, é como se não tivesse passado nada. Na faculdade, fiz mais uma mão cheia de amigos, mas desses, só uma mantém contacto.
Amigos, amigos, daqueles que ainda mantenho e converso e vejo, são os que eu fiz pela internet. Três das minhas melhores amigas, eu conheci na adolescência, num site brasileiro de Fanfics. E a este grupo peculiar, veio juntar-se aquela amiga da faculdade que resistiu. E agora, os nosso companheiros, também eles conhecidos online.
Estás a ver o padrão?
Introvertidos têm muita dificuldade em fazer e manter amigos. É difícil. Eu entendo. É muito, muito, difícil e cansativo. E é preciso trabalhar para manter as amizades. Mas deixa-me dizer-te uma coisa: os amigos não precisam de ser todos iguais.
Não precisas de falar com eles todos os dias, nem estar com eles todas as semanas, nem estar horas ao telemóvel com eles. A crença de que todas essas coisas são obrigatórias é que estraga muitas amizades. É raro ter ou mandar uma mensagem às minhas amigas, falar ao telemóvel com elas, ou mais raro ainda estar com elas. Estamos espalhadas pelo país e embrenhados nas nossas próprias vidas e só falamos quando há algo para dizer.
Às vezes sinto falta de ir ao café conversar com amigos, ou ir até à praia para ler com alguém, ou ir para uma esplanada à noite apanhar ar fresco. Mas habituei-me a fazer essas coisas sozinha e a não deixar que a solidão me impeça de viver os meus dias. Vivo longe de todos os meus amigos, longe da minha família, só tenho o meu namorado e a família dele. Às vezes torna-se solitário. Mas aprendi a gostar dos meus fins de semana sossegados, a desfrutar dos momentos em que estou com as minhas pessoas, a poder ler enquanto bebo um café.
Enfim. Entendo o sentes, de certa forma. Conheço essa solidão, apesar de ter bons amigos. Conheço a dificuldade em ser presente e ter a presença.
Posto isto, faz de conta que sou uma fedelha de 5 anos com um sorriso desdentado: queres ser minha amiga?
Olá Adriana. Eu também fui tendo poucos amigos ao longo da minha vida. Mas acho que lutar por uma causa ou ter algum tipo de ativismo é uma óptima oportunidade de conhecer pessoas alinhadas com os nossos valores. Quando me tornei vegano, conheci várias pessoas muito fixes, que se tornaram amigas mais chegadas. Se viveres na zona de Lisboa, convido-te a tomar um café quando quiseres e se quiseres.