Vontade de hibernar
Já não posso mais com o calor, as multidões e este excesso de energia no ar.
Estou reclusa em casa, os estores corridos, as portas e janelas e firmemente fechadas, as sombras refrescando-me da canícula lá fora. Mesmo assim, ouço as moscas a zumbirem à minha volta. O odor da minha transpiração e o calor que emana do meu copo atraem-nas. Odeio sentir as patinhas delas, mais leves do que penas, a cirandarem sobre a pele dos meus braços e pernas expostas. Enxoto-as com as mãos, balanço-me para que saiam de cima de mim, mas limitam-se a voar em redor, regressando instantes depois. Por fim, exausta, levanto-me e vou buscar um mata-moscas. Mato uma em cima da mesa. A seguir, vejo outra pousada no assento do sofá. Trás! É um alívio vê-las cair ao chão, indefesas. Livre delas, agora sim, posso descansar.
No Verão, parece que o tempo passa mais devagar. Mesmo quando estamos ocupados com a família emigrada que veio de férias, com as idas à praia, os piqueniques, as festas da terra, as saídas à noite com os amigos (nesta última, obviamente, não me incluo), os dias são tão longos e repetitivos que quase parece que a estação nunca mais vai terminar.
Estendo-me numa toalha na praia, enquanto ouço o murmúrio alto do mar, constante e calmante, mas não me consigo abstrair no livro à minha frente. Estou agitada. É o calor, é a correria dos garotos que brincam por perto, é a sensação de não estar realmente ali. A tarde espreguiça-se diante de mim e eu temo esquecer que existe vida para além daquela indolência que, em vez de me relaxar, só me deixa mais ansiosa.
Evito sair à rua entre o meio da manhã e o meio da tarde. A luz fere-me os olhos. Estranho a paisagem à minha volta, quase não a reconheço iluminada pelo sol escaldante. O excesso de claridade esbranquiça os objetos, tira-lhes a cor, fá-los vibrar. Até o céu se torna deslavado. Só na sombra é possível apreciar as texturas, tons e formas das coisas. É por isso que tiro poucas fotos no Verão: porque me saem insaturadas e indefinidas.
No Verão, sinto saudades dos meus gatos, que passavam mais tempo comigo em casa quando chovia e fazia frio; do aconchego das pantufas nos pés quando chegava a casa; de ler aninhada nas mantas enquanto entrevia, por cima das páginas, as labaredas da lareira acesa; de observar o céu cinzento e sentir que o tempo não abrandava, mas literalmente parava. Parava para mim, e assim eu me recolhia nos meus agasalhos, dentro das nuvens, por baixo das mantas, como um caracol debaixo da sua casca, repousando sem culpa nem remorsos, com a mente esvaziada de pensamentos ou quimeras desnecessárias, apenas eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu...
Olho para essa época com nostalgia, com saudosismo. Agora mesmo, o sangue fervilha dentro de mim. Penso na festa de casamento a que tenho de ir na próxima semana e para a qual ainda não comprei os sapatos. Penso no meu gato, letárgico por causa do calor e da alergia às pulgas (já lhe comprei um medicamento, mas a pele ainda está a cicatrizar). Penso na minha mãe, que anda a escavacar a saúde com as limpezas gerais. Penso no trabalho, que nesta altura é mais intenso. Penso na mudança inevitável da estação...
É no Verão que sou obrigada a expor-me mais. Não só a pele, como também a minha vida pessoal. Já perdi a conta das vezes em que me cruzei com conhecidos e me perguntaram se estava tudo bem. Querem saber onde trabalho, o que faço, se namoro, como está a minha vida. E eu não quero responder a nada disso. Por isso, aceno apenas com a cabeça. Desvio o olhar, desiludida comigo mesma. Tenho receio do que possam pensar se disser a verdade. É estúpido e, sobretudo, contraproducente, mas não estou preparada para assumir as minhas inseguranças.
Já ando a contar os dias para o equinócio de outono. Falta pouco: cerca de 30 dias, um mês que há de voar sem darmos por isso. A passagem do tempo é impiedosa, mas no Verão isso não me incomoda. Quero hibernar. Quero escapar deste calor sufocante. Preciso de ficar sossegada, no meu canto, longe do desconforto, das multidões descontroladas, da ânsia de fingir ser alguém que não sou.
Se existe por aí algum amante do Verão, a ler-me neste instante, peço desculpa antecipadamente. Espero, genuinamente, que aproveite os restantes dias da estação ao máximo. :)
Fiquem bem!




ESTOU FARTAAAAAAAAAAAAAAAA ODEIO O VERÃO
É só isto que quero dizer, obrigada e boa tarde