Cada vez que alguém me lança a convencionada pergunta – que introduz todos os diálogos cordiais e distanciados no tempo e na intimidade – eu paraliso.
Por cima da minha cabeça, fica a pairar um círculo invisível e giratório, como aqueles que vemos nos ecrãs dos computadores quando o sistema está a "pensar", durante alguns segundos.
Não sei o que responder. O meu primeiro impulso é dizer sempre a verdade, mas depois uma voz sussurrante lembra-me que o meu interlocutor não está interessado nela. Dispara-me, no televisor da mente, várias imagens de situações em que me constrangi a mim própria – e aos outros – com a minha vulnerabilidade.
Hesito na resposta. Demoro mais tempo do que o necessário. Desvio o olhar. E acabo por responder, com um nó desconfortável na garganta, um “sim” quase inaudível, a que acrescento “está tudo bem”, esperando que as minhas palavras sejam levadas pelo vento, que não sejam ouvidas ou, pelo menos, logo esquecidas, e que passemos para o núcleo da conversa. Embora, na maioria das vezes, ela morra aí, pois esqueço-me de atirar a pergunta para o outro lado.
Deixo o embaraço escorrer por mim abaixo, como atingida por uma mortificação que não me era dirigida, mas que, ainda assim, me acertou — por ter ignorado as regras básicas da convivência social: por descuido, por ignorância, por inconsciência... porque não consigo aprender o jogo da imitação.
Então, a bola acerta-me e eu não a apanho. Não a devolvo. Fico simplesmente imobilizada – e sempre desprevenida – não importa quantas vezes me atirem a bola.
Não é de estranhar, por isso, que odeie quando me fazem essa pergunta. “Estás bem?” “Não” ou “sei lá” é, muitas vezes, o que me apetece responder.
Sou aquele tipo de pessoa que, mesmo quando está bem, não tem vontade de o mostrar de forma verbal. Prefiro sorrir, mostrar o meu carinho pelo mundo e pelas pessoas através de gestos. Se me forçarem a verbalizar essa boa-disposição, só para provar que tudo vai bem no paraíso, ranjo os dentes e quase viro costas a essa necessidade de pintar o mundo de cor-de-rosa.
E se estiver realmente a ter um dia mau? Sei que jamais poderia sair da minha boca um “não” a essa temida pergunta.
Seria um verdadeiro escândalo. Uma bomba que caía logo no início da conversa, destruindo por completo qualquer tentativa de manter um diálogo minimamente harmonioso, que mal se sustentaria no meio dos destroços do constrangimento, da humilhação e da dúvida.
Pior ainda! Minaria qualquer conversa futura com a mesma pessoa, porque daí brotaria uma desconfiança mútua.
Não, a sociedade não está preparada para a verdade. Imaginem sequer a possibilidade: qual seria a reação? Talvez algumas pessoas — as que importam — fossem capazes de revelar a sensibilidade necessária para que as emoções que viessem à tona com a verdade flutuassem lentamente para longe, em vez de serem empurradas com repugnância. Como se houvesse lugar para elas nas horas comuns dos dias comuns. E, assim, talvez se apaziguassem, se moldassem com a aceitação e empatia dos outros — não para desaparecerem de vez, mas para deixarem de doer tanto.
Por outro lado, estou a ver a maioria das pessoas a olharem-me de esguelha, do alto dos seus narizes, as feições torcendo-se num escárnio mal disfarçado, ao mesmo tempo que atiram a minha resposta ao chão, a espezinham, e a seguir passam por cima de mim durante toda a conversa — como se, a partir daí, toda a minha existência fosse anulada ao ter exposto a minha carne nua.
Depois iam surgir todos aqueles posts, comentários, repartilhas e vídeos contra a negatividade tóxica — como se a positividade em excesso também não fosse tóxica.
Apareceria toda uma corrente que tem fobia à verdade das emoções, supondo-se que somos obrigados a ser felizes 24 horas por dia — uma utopia que só poderia ser criada se desligássemos por completo as nossas emoções.
Seria uma sociedade de zombies. Ou, melhor ainda, de Barbies e Kens – verdadeiros bonecos insufláveis.
Talvez o problema seja mesmo eu. Tenho de seguir o guião: escrever uma ou duas variações e treiná-las ao espelho. “Estou bem, obrigada.” Ou: “Tudo bem? E contigo?”
Só que depois esqueço-me de dizer as falas no momento certo. Esqueço-me de não pensar na tormenta que vai dentro de mim quando me colocam essa questão. E, enquanto respondo que sim, sei que as minhas feições me traem. Sei que quero dizer “não”. Porque não estou bem.
O problema é mesmo quando não estou bem!
Mas este dilema nem chega a ser dilema. Vou fazer o quê? Vou gritar à sociedade que está errada e devia mudar as regras do jogo?
Compreendo que essas regras foram criadas para guiar o comportamento humano em comunidade. Sem guião, seríamos pior do que bonecos. Seríamos pior até do que animais — porque até os animais vivem segundo regras sociais.
Aí, então, é que isto se tornava uma verdadeira república das bananas, à semelhança do que está a acontecer atualmente no Haiti.
Existe apenas uma solução para mim: estudar melhor o guião; estudar mais e aprender de uma vez por todas a lição.
E, se não conseguir aprender, então só me resta mesmo aceitar a ostracização.
Fiquem bem!
Há 2600 anos, quando o Buda encontrava alguém que não tinha visto há algum tempo, perguntava sempre se a pessoa estava bem de saúde e em geral. Penso ser uma pergunta importante para criar laços entre pessoas, para criar uma comunidade, para nos importarmos verdadeiramente com os indivíduos. O problema está quando as pessoas fazem essa pergunta de forma insincera ou automática. Mas isso é uma falha da pessoa que faz essa pergunta assim, não de quem responde. Mas compreendo o que dizes, também eu tive problemas com essas fórmulas sociais. E aprendi também que, se for preciso, não há grande mal em dizer que está tudo bem quando não está.